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O Arquipélago que Ressoa, de Fernando José Pereira
DATA
03 Out 2025
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AUTOR
Mafalda Teixeira
A partir de elementos familiares da produção artística de Fernando José Pereira (1961), na qual se inclui a prática do desenho, da fotografia e o trabalho com a imagem em movimento, a exposição "O Arquipélago que Ressoa", em exibição no Centro de Arte Oliva com curadoria de Andreia Magalhães, lança-nos numa reflexão sobre temporalidade e história, fronteiras e exilio, utopia e perseguição política.
Convocando territórios da filosofia, do cinema, da literatura e da teoria da arte, a prática multidisciplinar de Fernando José Pereira revela-se numa exposição cuja seleção de obras, dispersas no tempo e no espaço, propõem uma leitura e revisão indeterminista sobre o seu percurso no contexto da arte nacional. Realizados entre o final da década de noventa e a atualidade, alguns dos quais inéditos em Portugal, os trabalhos em exibição questionam e refletem - a partir de explorações visuais, conceptuais e metafóricas - o mundo atual, o agir contemporâneo e as alterações sociais.
O compromisso da arte com a ação política, o interesse de Fernando José Pereira pelo que se passa no mundo e a leitura politizada da sua produção artística perpassam as obras em exibição, não obstante o intervalo temporal que as separa. A este propósito destacamos a instalação A Utopia do Exílio (1997) e o vídeo Os silêncios escondidos (2025) que, distanciados por quase três décadas e realizados em momentos e circunstâncias precisas, mantêm e reforçam a estratégia reflexiva de Fernando José Pereira ao confluir a expressão artística e a análise política. Obra-metáfora, A Utopia do Exílio apresenta em três canais vídeo o cativeiro de lampreias que, alternando com uma contagem decrescente, intensificam na escuridão do espaço expositivo a sensação de claustrofobia que se sente no arfar dos animais, isto é, no corredor da morte. Realizada em 1997 a obra, tristemente atual, partiu da permanência no corredor da morte do ativista negro americano Mumia Abu‐Jamal (membro dos Black Panthers) condenado em 1980 pelo sistema judiciário americano e que ainda hoje continua recluso. Absolutamente metafórica, a instalação promove através da condição de cativeiro das lampreias uma reflexão sobre marginalização, exclusão e reivindicação de território, bem como uma visão utópica e libertadora sobre a condição do exilado, da sua capacidade de transpor fronteiras e a possibilidade de ver de fora.
A exploração visual e conceptual do artista através de correspondências metafóricas prossegue no seu trabalho mais recente, o vídeo Os silêncios escondidos. Focando-se na relação da natureza com a ideia de paisagem, a obra denuncia o genocídio do povo palestiniano no momento presente, ao confrontar-nos com a impossibilidade de uma ideia de paisagem pela destruição da natureza: os destroços, os corpos, as ruínas em que foi transformado o território palestiniano de Gaza.
Assumindo uma posição firme sobre questões que envolvem o desrespeito pelos outros, a indignidade com que convivemos diariamente e o silêncio comprometido, Fernando José Pereira revela ao longo da exposição o modo como a arte pode inscrever estas reflexões e inquietações coletivas no seu corpo de trabalho. A imparcialidade do artista, o poder das palavras e a possibilidade dos “gestos desejantes” que orientam a sua prática confrontam-nos no desenho no neutral options I (2025), tríptico que se impõe qual statement e afirmação de resistência, cujo branco das palavras desenhadas sobressai na superfície negra do carvão. O branco e o negro enquanto metáforas do presente acompanham-nos ao longo da exposição, numa dualidade que ultrapassa o cromatismo ao evocar a violência e a morte, bem como a esperança e a resistência enquanto eixos centrais de construção da mostra. Além do vídeo, da fotografia e instalações sonoras, Fernando José Pereira apresenta uma série de desenhos, testemunhos de um trabalho moroso, na qual se inclui Mind frames (2024) desenhos de tramas circulares lentas, de películas de filme não reveladas, nos quais o artista tenta concretizar o que chama a "possibilidade utópica das imagens necessárias": imagens mentais, silenciosas, que desativaram as suas funções informativas.
A importância da imagem em movimento no corpo de trabalho de Fernando José Pereira ocupa um lugar destaque na exposição através da presença de obras que ao revelarem uma aproximação ao cinema não deixam de integrar elementos específicos do território artístico, de que é exemplo o vídeo em exibição na primeira sala Untitled (speechless), 2008. Obra sobre insatisfação e realidade, o vídeo apresenta a imagem fixa de uma sala com uma mesa longa e cadeiras de ambos os lados. Uma pessoa move-se de cadeira em cadeira, sentando-se por apenas breves momentos, num clímax gradual de insatisfação. Não há nenhuma mudança de imagem, apenas o ator em movimento contínuo ao redor da mesa com o som característico do arrastar das cadeiras. Entre Untitled (speechless), primeiro trabalho que nos lança em O arquipélago que ressoa e o último que compõe a exposição, A utopia do exilio, são várias as obras expostas que, dispersas no tempo e no espaço quais fragmentos, dão corpo a uma mostra pensada a partir da configuração e definição de arquipélago – entendido como um conjunto de ilhas geograficamente dispersas mas interligadas por conexões geológicas e culturais - ou seja, por um grupo de trabalhos unidos pelo que os separa: o tempo e as preocupações constantes que esse tempo determina.
A exposição está patente no Centro Oliva até dia 12 de outubro.





BIOGRAFIA
Mafalda Teixeira mestre em História de Arte, Património e Cultura Visual pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estagiou e trabalhou no departamento de Exposições Temporárias do Museu d'Art Contemporani de Barcelona. Durante o mestrado realiza um estágio curricular na área de produção da Galeria Municipal do Porto. Atualmente dedica-se à investigação no âmbito da História da Arte Moderna e Contemporânea, e à publicação de artigos científicos.
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