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3 Projetos X 3 Encontros: Redes e Relações
DATA
19 Nov 2025
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AUTOR
Catarina Real
As residências artísticas têm vindo a popularizar-se e as estruturas que as possibilitam, à medida que tal popularidade cresce, tendem a multiplicar-se e a agregar-se em redes nacionais e internacionais. A formalização dessas redes de residências artísticas permite o conhecimento e o acesso a projetos semelhantes, dispersos por geografias diversas. A organização em rede torna-se uma ferramenta útil aos interessados em participar nestes programas enquanto artistas, promovendo públicos e permitindo a conexão entre as várias estruturas que se agregam.
Dentro dessas redes, muitas vezes, fica esquecida a humanização das relações, valor que poderia conduzir tais redes a uma operatividade humanamente colaborativa. Se é verdade que partilha de  recursos, trânsito de artistas e coprogramações vão acontecendo e são promovidos com o objectivo  de coesão e fomentação das práticas artísticas e culturais, estas dão-se genericamente pela via protocolar e enquanto resposta a apoios financeiros disponibilizados. A discussão e aprendizagem  entre estruturas ficam parcialmente esquecidas entre a necessidade de articulação como ferramenta de  sobrevivência. 
Essa necessidade de conexão da massa humana foi a primeira motivação para a organização dos encontros do 3 Projetos X 3 Encontros, que têm permitido não apenas o reconhecimento da semelhança das dificuldades e entusiasmos destas estruturas pares, como também a identificação das suas especificidades humanas, técnicas e materiais. Neste terceiro encontro, tendo o interstício entre rede e relação em mente, PADA, AiR 351 e pó de vir a ser, estruturas facilitadoras de residências artísticas e operantes na área da facilitação da investigação e produção artística, reuniram-se para avaliar o presente e imaginar o futuro das relações que entre si poderão ser  estabelecidas, avançando na percepção das consequências que a sua organização poderá trazer e rascunhando o que poderá ser uma identidade partilhada, uma micro rede humanizada. A atual indefinição das suas relações, aliada ao progressivo reconhecimento das suas distintas identidades,  propósitos, história e capacidades, é promissora para que as mesmas se modelem de forma a que a rede - aqui, humanizada - se torne operacional, contribuindo para a discussão alargada da  importância destas relações. 
A reflexão sobre o futuro pode dar-se por duas vias. Por um lado, através da imaginação sem constrangimentos que se permita posteriormente adequar à realidade. Por outro, pela identificação dos constrangimentos que balizam as possibilidades de construção de um futuro concretizável. Se a  primeira poderá desafiar o pensamento sem as limitações habituais, com espaço para a especulação  sem as considerações logísticas que assombram o ramerrame dos dias, a segunda permite que não se assoberbe o presente com o sonho do futuro.
Nos que operam diariamente dentro do possível, driblando a precariedade das condições da sua resistência, é natural que a abordagem pragmática aconteça e se responda ao futuro com o que se pode no presente. Se é verdade que entre PADA, AiR 351 e pó de vir a ser, a diversidade de  abordagens e contextos se reflete em diferenças estruturais operacionais, é também verdade que essa estruturação operacional conduz cada uma das estruturas a um diferente modelo de  operatividade relacional. Percebê-lo é compreender parte da riqueza das possibilidades de  colaboração e co-aprendizagem entre estruturas. E é também compreender que o futuro das relações que entre si poderão ser criadas será consequente para as relações presentes que mantêm -  institucionais, práticas e humanas. Esse futuro relacional e colaborativo desenha-se como uma  relação de relações. 
Reforçando o pragmatismo e sensatez, de forma a que se permitam desenrolar o futuro das suas relações, as três estruturas reflectem sobre a especificidade dos seus programas e das relações que estes alimentam - deixando o sonho do futuro para a consequência da consciência do presente.
De  forma alarvemente simplificada, pode dizer-se que a AiR 351 tem como prioridade os recursos possibilitados aos artistas, assumindo o papel de fornecedora de um serviço, garantindo condições de trabalho, reflexão e contacto; a pó de vir a ser assume um posicionamento ligado à produção directa, em que as relações humanas se constroem na operacionalidade do dia-a-dia e a PADA prima por uma estreita ligação ao contexto industrial, ao fomentar de um ambiente de aprendizagem coletiva e à continuidade do trabalho artístico. A especificidade destes modelos faz com que a AiR 351 tenha uma orientação curatorial, a pó de vir a ser se aproxime da aprendizagem técnica, e a PADA articule a prática artística com um programa estruturado que inclui visitas e acompanhamento crítico. 
O tempo emerge como um recurso escasso para cada uma destas estruturas, apesar da diferença nos seus programas, e é um dos principais influenciadores das características das relações fundadas com os artistas. A PADA reconhece que a necessidade de uma rotatividade rápida dos artistas, pela  necessidade de sustentação financeira do projeto, limita a profundidade das relações e a possibilidade de desenvolver projectos mais complexos ou duradouros com cada um destes. Por sua vez, AiR 351 e pó de vir a ser entendem que uma relação prolongada com os artistas possibilita a expansão dos  trabalhos artísticos e permite um acompanhamento mais atento. Na medida das suas capacidades, estas estruturas têm vindo promovê-lo, acolhendo artistas em diferentes momentos dos seus projetos e criando dinâmicas relacionais continuadas. PADA procura contornar essas limitações através do contacto e da partilha de informação com a rede de alumni, mas reconhece que a intensidade e a duração destes contatos são frequentemente insuficientes.
Em segunda instância, a experiência permite que estas estruturas reconheçam que os artistas desenvolvem relações e redes de colaboração que se prolongam independentemente das suas intervenções. Estas pequenas redes autossuficientes sublinham o papel facilitador das residências, enquanto provocadoras de encontros e de oportunidades multiplicadas. Torna-se também evidente que o impacto das residências não se mede apenas pela intervenção direta, mas pelo poder de influência na construção de redes humanas autossuficientes. A manutenção do contacto com os artistas permite às estruturas medir o impacto do seu trabalho, identificar oportunidades de  colaboração futura e consolidar uma rede em crescimento. O esforço neste mapeamento, que se soma ao esforço das pequenas equipas, é essencial para perceber a repercussão do seu trabalho. 
A relação com os públicos é também uma importante dimensão relacional a ser considerada. O formato de residências artísticas, sobretudo quando nos referimos a projetos descentralizados, promove o contacto direto entre os artistas e as comunidades locais, contribuindo para a compreensão do processo criativo como parte de um ecossistema e da prática artística como uma prática de vida. O trabalho de mediação e de facilitação de relações entre artistas e um público  generalizado apresenta desafios se o pensarmos quantitativamente. A criação de relações é resultado do equilíbrio entre os recursos disponíveis e, muitas vezes, resulta da danosa equação entre tempo pessoal e tempo laboral, alargado a todo o tempo disponível, diluindo horários e dias de descanso. A proximidade que estas estruturas conseguem estabelecer seria impossível caso esse esforço não fosse concretizado. É esta posição que lhes permite atuar como facilitadores, promotores de encontros e mediadores de oportunidades. Ao mesmo  tempo, reconhecem os limites desta função: não controlam os desdobramentos das redes nem  garantem resultados imediatos, mas criam condições para que ocorram interações significativas. 
O papel destas estruturas, muitas vezes invisível, garante que os artistas tenham acesso a contextos  de produção, aprendizagem e colaboração, que não se esgota na duração da residência, mas que se prolonga através de redes informais e constelações de relações. O impacto dos diferentes programas de residências no percurso dos artistas é, dado o enunciado, diferenciado e, por hipótese, o trânsito entre estas diferenças poderia significar um impacto multiplicado, aliando os diferentes focos e canalizando a energia coletiva, mesmo que tal implique a redução da velocidade na expansão da rede. 
Assim pensado o presente dos seus funcionamentos, a ideia de coprogramação surge como uma possibilidade de articulação entre estruturas. Como um todo - considerando a matéria humana e as condições materiais que o possibilitam - uma programação compartilhada poderia sustentar essas relações e permitir um aprofundamento das mesmas, o que impactaria igualmente as práticas e pesquisas dos artistas, maximizando recursos e possibilitando experiências que, isoladamente, seriam impossíveis de realizar. O diálogo será a partir desta ideia a ferramenta central; as estruturas não se  reduzem a um trabalho insípido de gestão, mas à capacidade de promover encontros, estimular conversas e estabelecer ligações que prolongam a experiência artística para além do tempo da  residência. Estas conversas, ainda que informais, permitem às estruturas começar a edificar constelações de artistas cujas práticas se cruzam ou se complementam e proporcionar outros  encontros, que se adivinham significativos. O que se conclui do presente é que o complexo espaço relacional já existente tem de sensatamente articular a realidade e a disponibilidade para que o  futuro se pense. 
Ao considerar o futuro das suas relações, a sustentabilidade, discutida no primeiro encontro, exalta-se. Surgem novas questões - todas orientadas para o equilíbrio entre os recursos, o tempo, as equipas, a  gratificação na criação de relações consequentes e duradouras e a vontade de proporcionar aos artistas experiências significativas, e impactantes. A tríade de residências, longe de se  proteger no conceito abstrato de rede, construirá o futuro dentro das suas possibilidades, traduzindo a vontade em ações concretas, encontros, colaborações e oportunidades que, mesmo com recursos escassos, sustentam a vitalidade da criação artística.
BIOGRAFIA
Catarina Real (1992, Barcelos, Portugal) trabalha na intersecção entre a prática artística e a investigação teórica nos campos expandidos da pintura, escrita e coreografia, maioritariamente em projectos colaborativos de longa duração, que se debruçam sobre o questionamento de como podemos viver melhor coletivamente. É doutoranda do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho com uma investigação que cruza arte, amor e capital. Mantém uma prática de comentário - nas vertentes de textos de reflexão, textos introdutórios a exposições, entrevistas e moderação de conversas - às obras e processos realizados pelos artistas na sua faixa geracional, com a intenção de contribuir para um ambiente salutar de crítica e criação coletiva e comunitária. É vice-presidente da associação francesa Artistes en Résidence desde 2019 e editora em Edições da Ruína desde 2022.
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