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3 Projetos X 3 Encontros: Partilha de Saberes
DATA
05 Nov 2025
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AUTOR
Catarina Real
O segundo encontro do 3 Projetos X 3 Encontros foi dedicado à compreensão das residências artísticas enquanto formatos proto-educativos e à interligação das percepções das três estruturas participantes quanto ao tema. À mesa, AiR 351, PADA Studios e pó de vir a ser trocaram ideias sobre a concepção das residências artísticas enquanto lugares de aprendizagem, de partilha de experiências e de trocas de saberes de forma orgânica, possibilitados pela organização que estas mesmas estruturas pensam e constroem.
Assumindo que os termos em que a educação se pratica poderão ser uma via para uma reconfiguração social que melhor active os valores basilares da democracia e da cultura de que somos fruto, é inevitável a consideração dos modelos em que a mesma acontece. Em especial quando nos referimos à aprendizagem artística fora dos modelos convencionados.
Nesta assumpção, o segundo encontro do 3 Projetos X 3 Encontros foi dedicado à compreensão das residências artísticas enquanto formatos proto-educativos e à interligação das percepções das três estruturas participantes quanto ao tema. À mesa, AiR 351, PADA Studios e pó de vir a ser trocaram ideias sobre a concepção das residências artísticas enquanto lugares de aprendizagem, de partilha de experiências e de trocas de saberes de forma orgânica, possibilitados pela organização que estas mesmas estruturas pensam e constroem.
De forma concordante, enunciaram-se as residências artísticas como lugares de continuidade e recuperação do diálogo crítico, tantas vezes perdido após a saída das academias, às quais a prática e reconhecimento artístico progressivamente se afiliam. Após a saída das universidades - onde as aulas propiciam questionamentos e os estúdios partilhados são lugares em que essas mesmas questões se discutem e onde as influências se dão com naturalidade - muitos artistas encontram um inesperado isolamento. A prática passa a ser mediada pelos circuitos artísticos instituídos e parcos se tornam os lugares de discussão e de partilha desinteressada.
Assumindo, numa segunda consideração, que as práticas artísticas podem ser uma das vias de manutenção da sensibilidade dentro do modelo social em que nos encontramos, a ligação entre a emoção e a educação torna-se mais estreita. A emoção, etimologicamente ligada ao movimento, implica que sentir não é apenas reagir, mas uma deslocação para fora de nós mesmos, estabelecendo conexões e abrindo espaço para o outro. Nessa leitura da educação artística aliada à emoção e ao encontro, tudo o que à arte diz respeito pode ser tomado como lugar de experimentação, em primeira instância, e como lugar de experimentação empática, numa segunda leitura. Em obras ou processos podem ser reencontrados lugares de atenção ao outro, de consideração do outro, sem que tal se reduza a dinâmicas mercantis.
No decorrer da vida prática - na profissionalização da actividade artística - qual o papel das estruturas que facilitam a realização de residências artísticas na manutenção de uma aprendizagem artística, pautada pela dimensão emocional e humana? De forma a que a consideração desta pergunta aconteça de forma justa, é necessário considerar as particularidades dos programas e formatos de residências artísticas desenvolvidos em cada uma destas estruturas.
No caso da PADA, estrutura fundada e gerida por artistas, a motivação de criação de um lugar que continuasse um percurso de aprendizagem esteve presente desde a sua criação. Os estúdios partilhados e sem paredes foram pensados como um prolongamento de um espaço escolar, sem didatismo associado, mas com a possibilidade de fomentar diálogos e partilhas. O programa de residências foi crescendo organicamente à medida que a equipa se foi transformando, mantendo-se centrado na convivência de grupos de artistas que partilham não apenas o trabalho em estúdio, mas também refeições, alojamentos e responsabilidades prosaicas. Esta dimensão prática, quotidiana e coletiva conduz os artistas que participam nos seus programas a um sentido de comunidade que favorece a aprendizagem mútua.
A residência, além de oferecer estúdios e momentos de acompanhamento, permite ainda que os próprios artistas desenvolvam workshops ou oficinas, num exercício de transmissão de conhecimentos técnicos e conceptuais. Embora a prioridade seja sempre dada aos residentes, existe também a vontade de devolver esse saber ao público, nomeadamente através de plataformas digitais que possam disseminar a informação reunida. O retorno por parte dos artistas é marcado pela intensidade das conexões criadas, tanto pela diversidade de origens, idades e percursos, como pela qualidade das trocas entre gerações.
Na pó de vir a ser, o programa de residências assume contornos necessariamente diferentes, ligados à especificidade da exploração disciplinar e conceptual da escultura em pedra e à longa história do próprio projeto. Nas suas instalações oferece-se não apenas a possibilidade de aprendizagem e exploração técnica como a possibilidade de pesquisa, disponibilizando ferramentas que fora do universo das universidades são de difícil acesso. Dadas estas características, a residência tornou-se, de forma natural, uma alternativa a um modelo pedagógico formal dentro da escultura em pedra.
O programa divide-se maioritariamente em duas vertentes; as residências de curta duração, dirigidas a artistas que não trabalham habitualmente com escultura em pedra, mas que encontram nela um campo de experimentação; e residências mais longas, de dois a três meses, destinadas a artistas que já dominam a técnica e querem dedicar a sua passagem pela residência à produção de obras escultóricas em pedra. As residências artísticas implicam, por sua vez, partilhas públicas específicas a cada trabalho e ao seu regime temporal. Os Ateliers Abertos são momentos de encontro entre artistas e público, consistindo na partilha do trabalho em curso durante a residência. Por essa razão, e pelo caráter interdisciplinar do trabalho com a pedra na pó de vir a ser, são diversos na sua apresentação, bem como nas formas que esta assume. A abertura de portas do antigo matadouro de Évora constitui um momento significativo para o discurso da pó de vir a ser no território e para a relação com o seu público através, precisamente, do trabalho artístico. Respondendo a outro regime temporal de trabalho com a pedra na pó de vir a ser, as residências - ou cooperações de longo curso com artistas - são um meio e um modo de produção de exposições coletivas e individuais, bem como um eixo fundamental para a sedimentação de parcerias institucionais.
O acompanhamento, programado por Mariana Mata Passos, é feito em várias dimensões: técnico, artístico e teórico. Há apoio de especialistas, tais como o escultor Pedro Fazenda e o artista Eduardo Freitas, visitas a pedreiras, acesso a uma biblioteca dedicada à escultura, sobretudo à escultura em pedra, e encontros com críticos, curadores ou outros intervenientes culturais que acompanham as investigações dos artistas residentes. A pedra, inevitavelmente, impõe-se como matéria e contexto, mesmo quando não se transforma em obra final, influenciando outras práticas, como a fotografia ou a instalação.
A AiR 351 oferece estúdios, mas não possui um espaço expositivo nas suas instalações, privilegiando residências assistidas ou com curadoria, entendidas como uma mediação entre a produção artística e a recepção por parte dos públicos. O foco desta estrutura está no suporte das diferentes investigações acolhidas, no apoio à pesquisa e na criação de pontes para que os artistas estabeleçam diálogos, quer sejam estes com o lugar, com pares ou com outros campos de conhecimento. Grande parte das residências são individuais e construídas de forma a dar resposta às diferentes necessidades dos artistas residentes, mas têm também sido desenvolvidos grupos de investigação que reúnem artistas, curadores, filósofos e outros profissionais culturais em torno de temas partilhados. Em ambos os casos, a missão e intenção são semelhantes: aprender e ensinar comunalmente, expandindo a prática artística através de interações transdisciplinares. Ainda que não se veja como estrutura de educação formal, nem mesmo claramente de educação informal, a AiR 351 entende-se como lugar de aprendizagem contínua, respeitando as especificidades de cada prática e amparando as suas necessidades.
As comunidades que vão sendo formadas a partir da AiR 351 são menos marcadas pela partilha de estúdios e mais pela visita aos ateliers individuais e pela convivência quotidiana em espaços comuns, como a cozinha ou o pátio exterior. Embora os estúdios individuais proporcionem concentração, é na necessidade de preparar refeições ou na rotina doméstica que emergem os encontros. É também essa comunalidade que motiva muitos artistas a regressar.
Se o encontro se iniciou sob a palavra educação, associando-se a ela a expressão informal, tornou-se no seu decorrer evidente que a discussão se dirigia à ideia de aprendizagem. Mesmo quando informal, educação implica um conjunto de normas convencionadas, uma direcção consensual. Aprendizagem, por sua vez, implica um caminho ou um tempo em que o acto de aprender ocorre sem normas pré-estabelecidas.
Em cada estrutura, a residência artística é pensada como espaço de aprendizagem partilhada; é entendida como um processo contínuo de troca, em que artistas, curadores e comunidades transitórias inventam modos de viver e de criar. Esses caminhos e durações acontecem distintamente, partindo (ou não) da experiência escolar que se pretende recuperar, oferecendo vias de aprendizagem técnica que necessariamente carregam características educativas, mas aos quais se agregam reflexões e se dissipam as imagens de boas práticas, e privilegiando a investigação e a mediação, com formatos flexíveis e individualizados.
Assim funcionam estas residências: como lugares de aprendizagem em que se improvisam regras para que se aprenda colectivamente, se acolhem diferentes percursos e se permite que cada artista encontre uma possibilidade de aprender e ensinar, de criar e de sentir.
BIOGRAFIA
Catarina Real (1992, Barcelos, Portugal) trabalha na intersecção entre a prática artística e a investigação teórica nos campos expandidos da pintura, escrita e coreografia, maioritariamente em projectos colaborativos de longa duração, que se debruçam sobre o questionamento de como podemos viver melhor coletivamente. É doutoranda do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho com uma investigação que cruza arte, amor e capital. Mantém uma prática de comentário - nas vertentes de textos de reflexão, textos introdutórios a exposições, entrevistas e moderação de conversas - às obras e processos realizados pelos artistas na sua faixa geracional, com a intenção de contribuir para um ambiente salutar de crítica e criação coletiva e comunitária. É vice-presidente da associação francesa Artistes en Résidence desde 2019 e editora em Edições da Ruína desde 2022.
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