article
Alô?, de Yuli Yamagata
DATA
03 Dez 2025
PARTILHAR
AUTOR
Mariana Machado
Na Escola das Artes, da Universidade Católica Portuguesa, a galeria é ocupada por uma exposição de Yuli Yamagata, intitulada ‘Alô?’ e com curadoria de João Mourão, Luís Silva e Nuno Crespo.
O título interrogativo da exposição denota - em torno desta interjeição típica de quem, ao telemóvel, por exemplo, questiona a presença de outro - um centro que não convoca uma afirmação, mas um questionamento. Questão esta que se resume a uma simples expressão coloquial de quem questiona uma presença. Organizada em torno de um filme com o mesmo nome, a exposição conjuga-o com outros elementos, escultóricos ou de parede, que dialogam entre si através da translação de elementos entre a narrativa fílmica e o espaço expositivo. Neste sentido, a exposição parece convocar um universo que materializa as questões que encaminham a peça central.
Desta forma, encontramos um espaço habitado por mutações, onde a figura surge por entre os objetos de forma pouco imediata, através da conjugação de materiais díspares. O filme, centrado num aparente ser humano que questiona a possibilidade de a sua existência ser apenas o sonho de um caracol, dispara uma mitologia fantástica onde elementos como o caracol ou o milho se tornam motivos recorrentes nas peças que expandem este universo. Se a narrativa se lança através de uma questão, esta ramifica-se nestas figuras e entrelaçamentos materiais que convocam a ausência de lógica e identidade claras em prol de uma livre exploração de corpos híbridos onde a sedução e o desconforto se misturam. Este jogo parece remeter à dita tentativa de interrogar, mais do que afirmar, possibilidades, em que cada corpo parece dirigir-se a diversos lugares ao mesmo tempo e coagular como diferentes criaturas em pontos diversos. Deleuze e Guattari apontam para o processo de devir, um movimento, por oposição à estabilidade da essência: “O que é real é o próprio devir, o bloco do devir, e não os termos supostamente fixos pelos quais passa aquilo que se torna. (...) Se o anómalo não é nem um indivíduo nem uma espécie, então o que é? É um fenómeno, mas um fenómeno de fronteira. (...) Assim, existe uma linha divisória para cada multiplicidade; não é de forma alguma um centro, mas sim a linha envolvente ou a dimensão mais distante, em função da qual é possível contar as outras...”1. Ora, é precisamente por este movimento que a artista parece interessar-se. Se, por um lado, as figuras recusam identidades definidas, assemelham-se a processos de explosão, de diferenciação de partes que sofrem forças divergentes, que competem pela conquista da representação. Mesmo na aparição de figuras identificáveis - e os títulos das peças remetem todos a termos concretos -, estas surgem sempre num processo de mutação dos materiais que as configuram como estágios da matéria trabalhada.
Daí o processo de contínua reestruturação ocorrer ao nível ‘molecular’, nos termos de Deleuze e Guattari, onde a mutação do visível e coletivo ocorre como conglomerado das partes individuais que o constituem: “todos os devires já são moleculares. (...) Partindo das formas que se tem, do sujeito que se é, dos órgãos que se possui ou das funções que se desempenha, devir é extrair partículas entre as quais se estabelecem as relações de movimento e repouso, velocidade e lentidão mais próximas do que se está a tornar e através das quais se torna-se.”2 Desta forma, cada peça constitui uma assemblage de materiais e formas, de objetos e texturas, relevos e superfícies. Estas conjugações exploram igualmente as combinações entre figuras de diversas naturezas. Seguindo a narrativa fantástica que conduz o filme e a exposição, esta desdobra-se em questionamentos filosóficos com tendências sobrenaturais, como constante desdobramento da hibridização entre o natural e o maquínico. O milho cruza-se com uma antena como um desdobramento molecular de órgãos diferenciados no sentido do ciborgue de Donna Haraway: “um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo, simultaneamente uma criatura com realidade social e uma criatura de ficção.”3 O ciborgue é a figura que reitera constantemente o processo de acoplamento e desacoplamento das suas partes, onde a figura essencial é substituída por um processo de experimentação. Cada experiência promove novas transformações, perante as quais o sujeito apenas questiona: alô?
A exposição pode ser visitada até dia 13 de dezembro na Escola das Artes.


1 Deleuze, G. & Guattari, F. (2023). A Thousand Plateaus, p. 278, 286. Tradução livre
2 Deleuze, G. & Guattari, F. (2023). A Thousand Plateaus, p. 318. Tradução livre
3 Haraway, D. (2022). Um Manifesto Ciborgue / O Manifesto das Espécies de Companhia, p. 25
BIOGRAFIA
Mariana Machado (2000) nasceu no Porto e estudou Cinema na Escola das Artes - Universidade Católica Portuguesa. Neste momento, frequenta o Mestrado em Artes Digitais e Sonoras, também na Escola das Artes. É artista e investigadora, interessando-se acima de tudo por manifestações que articulem a imagem em movimento num contexto entre o cinema e a arte contemporânea, assim como pelas potencialidades artísticas de novas tecnologias e suas articulações com outras materialidades.
PUBLICIDADE
Anterior
article
Deuses de Terra / Escultura Velar, no Museu do Oriente
03 Dez 2025
Deuses de Terra / Escultura Velar, no Museu do Oriente
Por Margarida Alves
Próximo
agenda
4.ª Edição do Passeio da Estrela – 13 de Dezembro
04 Dez 2025
4.ª Edição do Passeio da Estrela – 13 de Dezembro
Por Umbigo