article
Novo ciclo expositivo na Galeria Municipal do Porto
DATA
17 Dez 2025
PARTILHAR
AUTOR
Mariana Machado
A 15 de novembro inauguraram em simultâneo as três exposições que ocupam os espaços da Galeria Municipal do Porto: Estado de espírito, com curadoria de João Laia, Recursões: uma cartografia de territórios inacabados, com curadoria de Kiluanji Kia Henda e Margarida Waco e trabalhos de Flávio Cardoso, Lilianne Kiame e Raul Jorge Gourgel e Aprender a ensinar, ensinar a aprender de Elvira Leite, com curadoria de Matilde Seabra. Dando continuidade à programação articulada do espaço, as exposições reiteram um interesse pela conjugação do panorama artístico contemporâneo com o desenvolvimento de epistemologias alternativas, assim como pela experimentação promovida pelo espaço do piso -1.
Neste sentido, a exposição de Elvira Leite promove um encontro que, ultrapassando exclusivamente a disposição de trabalhos, se desenvolve de acordo com a prática e a importância da artista em questão. Assim, a exposição desdobra-se num trabalho em que o espaço se aproxima do seu atelier, conjugando a apresentação de trabalhos, maioritariamente pinturas, com um arquivo de cartas, fotografias e registos que documentam e apresentam uma contextualização da vida e da prática de Elvira Leite de uma forma que ultrapassa unicamente a sua produção artística. Deste modo, ancorando o seu trabalho no ensino e na pedagogia, a exposição desenvolve-se de modo que a sua configuração, entre 16 de dezembro e 16 de janeiro, liberte espaço para a ativação das oficinas ‘O Espaço Entre’, com Cristina Camargo e equipas de mediação BOA Arts, PING!/GMP e Bibliotecas Municipais do Porto. O desenvolvimento deste espaço articula desta forma a própria abordagem da artista, inserindo a sua atividade e as suas preocupações com a relação entre a prática artística e o ensino no próprio desenho expositivo.
Já no piso 1, a exposição centra-se no diálogo entre o trabalho de Kiluanji Kia Henda e os trabalhos de três artistas. Partindo da noção de recursividade, esta aponta para a produção sempre auxiliada por um passado que a constrói. Este mecanismo torna-se evidente tanto na articulação dos trabalhos artísticos, no sentido da conjugação de abordagens diferentes, como na própria forma de lidar com o território. Neste sentido, a recursão aqui desenvolvida remete para uma “repetição da diferença”, semelhante à de Deleuze em que “a diferença habita a repetição. Por um lado, como se fosse em comprimento, a diferença faz-nos passar de uma ordem para outra da repetição: da repetição instantânea, que se desfaz em si, à repetição, ativamente representada...”1. A exposição apresenta, assim, por via de uma multiplicidade de propostas – escultura, filmes, gravuras, arquitetura –, um projeto de construção que incorpora a derrota da modernidade como abertura a uma nova relação com o tempo e o passado. Contrastando com a modernidade tecnológica ocidental, as peças conjugam a cultura angolana dos artistas com a necessidade de representar a ruína, o instável e o desconhecido como cruciais para a construção de qualquer ideia de futuro.
Operando numa atitude igualmente desafiadora perante o imperialismo científico e tecnológico da sociedade capitalista e moderna, o piso 0 é ocupado por uma exposição retrospetiva da dupla de Mariana Caló e Francisco Queimadela. Reunindo uma seleção de obras mais e menos recentes, conjuga o trabalho dos artistas na variedade que o constitui, com uma grande presença do filme e do vídeo, mas também do desenho e da escultura. Através de diferentes técnicas, o seu trabalho insere-se continuamente numa relação próxima com a ancestralidade e o espaço natural, onde a produção material é sempre acompanhada de uma transparência e simplicidade de meios. Neste sentido, surgem, em diferentes momentos, referências a costumes e rituais que remetem para uma noção de comunidade, construída através de histórias e de fábulas que definem o diálogo entre natureza e cultura. Assim, peças como Adoração ao Sol e Quase Lua em Trânsito incorporam a criação de dispositivos e a transmutação da luz como métodos de invasão ritualística do próprio espaço expositivo, que se torna um ambiente dinamizador. Por outro lado, acompanhando estes momentos que incorporam a própria ação do ritual no espaço, tornam-se igualmente presentes momentos mais representativos nos vários filmes que ocupam a exposição. Trabalhos como Livro da Seda – Diabretes, Domesticar há Milénios, Águas e Espelhos e Subir e Sumir apresentam retratos íntimos de momentos em que o quotidiano se conjuga com o onírico e o sensível, numa proximidade com o espaço natural. Neste sentido, toda a exposição parece situar-se nesta invocação de um espaço, onde o fantasioso se mistura com o real, e a sensibilidade e a intimidade surgem do detalhe do quotidiano. Por entre a sombra que domina o espaço, encontramos recortes de momentos e de contatos que, como num sonho imersivo, devolvem uma relação entre o humano e a técnica - não despida da atenção ao detalhe sensível, mas apresentada em função de um delicado contacto com um estado de espírito.
As três exposições patentes na Galeria Municipal do Porto podem ser visitadas até dia 15 de fevereiro de 2026.

1 Deleuze, G. (2000). Diferença e Repetição, p. 149-150
BIOGRAFIA
Mariana Machado (2000) nasceu no Porto e estudou Cinema na Escola das Artes - Universidade Católica Portuguesa. Neste momento, frequenta o Mestrado em Artes Digitais e Sonoras, também na Escola das Artes. É artista e investigadora, interessando-se acima de tudo por manifestações que articulem a imagem em movimento num contexto entre o cinema e a arte contemporânea, assim como pelas potencialidades artísticas de novas tecnologias e suas articulações com outras materialidades.
PUBLICIDADE
Anterior
article
O tempo maior que o tempo, de Paula Prates e Rita Gaspar Vieira
16 Dez 2025
O tempo maior que o tempo, de Paula Prates e Rita Gaspar Vieira
Por José Pardal Pina