A exposição Uma Densa Nuvem de Amor, na Universidade NOVA de Lisboa, entrelaça arte, academia e pensamento queer num diálogo lírico entre a investigação e a criação. Reunindo obras de Ana Pérez-Quiroga, Francisco Mallmann, Hilda de Paulo, João Pedro Vale & Nuno Alexandre Ferreira, Luisa Cunha, Thomas Hirschhorn, Marcus Steinweg e Horácio Frutuoso, a exposição emana do compromisso da Universidade NOVA com a igualdade.
O amor é aqui abordado num plano existencial, tanto como um anseio por expressá-lo quanto como um desejo por ele na sua forma mais intensa. Voltando ao mito clássico, a flecha de Eros perfura o coração, abrindo um vazio no corpo que se torna uma nova fonte de dor. É apenas na presença da dor que podemos realmente refletir sobre a existência. Quando Deleuze define o amor como uma «mistura de corpos», aborda este fluxo líquido, lembrando-nos que a paixão da alma é o que nos concede o poder de existir.
A peça de néon vermelho cintilante de Ana Pérez-Quiroga, Diz que me amas, brilha como um aviso, uma exigência íntima que tantas vezes evitamos expressar na nossa vida quotidiana. A declaração «amo-te» anuncia uma atribuição que transcende o corpo tanto do amante como do amado. É no momento em que o amor é dito que adquire uma forma palpável. Nesta inscrição reside uma coragem silenciosa: o simples ato de dizer afirma a possibilidade da verdade. E mesmo que as pessoas possam enganar, o amor nunca o faz.
Na entrada, uma impressão fotográfica em grande escala de João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira enche o espaço com uma sensação imediata de movimento e vitalidade. A obra capta as expressões ampliadas dos dois artistas enquanto organizam meticulosamente figuras históricas queer. Espalhadas pela obra, figuras - a gritar, a dançar, a chorar - parecem reunidas sob as asas protetoras de Nuno e João, nos momentos culminantes das suas performances. Juntas, estas imagens formam um emblema singular da vida queer: frágil, mas monumental. Os rostos dignos de João e Nuno ressoam com os versos finais do poema de Hilda de Paulo, instalado ao lado da peça:
—Ah, saberes transcestrais
Invadam a minha corpa-sobrevivente
E façam dela a sua vontade.
Aqui, a alegria torna-se uma forma de resistência, um ato luminoso de ânimo contra o desespero.
Esta abordagem também abraça um pensamento spinozista que tomo como base na minha forma de lidar com a vida. De acordo com este pensamento, a tristeza imobiliza o nosso poder, confina-nos à mera reação.
A alegria, por outro lado, expande o nosso poder, unindo-se à força dos outros e ao objeto amado. Através da alegria, ganhamos a capacidade de agir, uma capacidade que é, em si mesma, uma virtude.
Aqui reside a origem da razão pela qual a luta queer é considerada honrosa.
A negação é o nada.
O título da exposição inspira-se numa passagem de Queer (1952), de William S. Burroughs:
Eu tinha o dever de viver e de carregar o meu fardo com orgulho para que todos vissem, de conquistar o preconceito, a ignorância e o ódio com conhecimento, sinceridade e amor.
SEMPRE QUE É AMEAÇADO POR UMA PRESENÇA HOSTIL, EMITE UMA NUVEM ESPESSA DE AMOR, COMO UM POLVO QUE LANÇA TINTA.
Burroughs é uma figura literária intrigante, nunca otimista em relação ao rumo do mundo. Retratou a civilização como uma orgia, um carnaval de corrupção. Os temas recorrentes incluem as drogas, o poder, o controlo, a escravidão e a degradação, mas também a resistência, a recuperação da nobreza e a liberdade. Para ele, o corpo humano não é mais do que um monte de carne para ser usado e descartado.
O autor destrói as convenções literárias existentes. Para ele, as palavras são inimigas da vida. Declarando que «falar é mentir», recusou a linguagem convencional. Em vez disso, criou a técnica do cut-up, uma colagem de materiais que vão desde recortes de jornais até páginas de literatura clássica. O seu objetivo era precisamente ir além da linguagem para alcançar o propósito do silêncio.
Partindo das referências de Burroughs, o encontro com os poemas visuais de Horácio Frutuoso acrescenta uma magnífica dualidade à textura da exposição. O principal material utilizado por Horácio são as letras, e os elementos que moldam as suas obras são ilimitados. Explorando a relação entre a criatividade artística e o jogo, o artista reúne na Universidade NOVA títulos apelativos de teses e artigos - investigações publicadas sobre a homossexualidade e a comunidade queer - em composições que lembram movimentos de massas de ar e mapas de ventos. Essas correntes de ar flutuam pelo espaço expositivo, e nós seguimos os remoinhos espirais à nossa volta, convidados a uma transformação lúdica em poesia. As flores frescas cor-de-rosa, colocadas sobre a mesa em frente ao armário que exibe as teses, carregam em si a vitalidade da poesia. Como se o grande poeta Lautréamont sussurrasse: «a poesia é feita por todos».
Em Foucault’s Map, Thomas Hirschhorn apresenta a invenção de uma atividade de pensamento que transcende a representação. É um mapa magnífico para aqueles que estão dispostos a perder-se livremente. O rosto travesso de Descartes é fácil de reconhecer, lembrando a sua famosa frase: «Penso, logo existo». Passar da normalidade ao desejo é desligar-se do conhecimento, entrando num estado de encantamento inconsciente. Na obra de Thomas Hirschhorn, a consciência está submersa nas profundezas do inconsciente.
Cerca de um século antes, com Baudelaire, a «liberdade do desejo» e a «soberania da poesia» atingiram o seu apogeu, mas duraram apenas breves instantes. O modernismo estético, despertado pelas barricadas da Revolução de 1848, deu lugar, após as últimas barricadas de Paris em 1968, a uma infinidade de teses «pós-modernas». 1968 marcou a loucura mais resplandecente da vanguarda e inaugurou uma nova era no pensamento crítico. Em Paris, pensadores como Foucault, Lyotard, Baudrillard, Lacan, Deleuze, Guattari e Badiou, todos imersos na resistência, buscaram a verdade histórica de 1968.  Abriram as fronteiras da modernidade e de seus descendentes: história, sociedade, revolução, utopia e arte.
As setas estimulantes do Mapa de Foucault revelam o excesso inquietante que habita todas as ações que nos excitam. Dentro desse caos surge uma revelação: o momento em que a sexualidade se eleva a um nível erótico em relação ao conhecimento. Lembro-me da afirmação de Bataille de que a morte é uma experiência erótica em potencial. Como escritora, invejo a energia e o desejo imprudentes e ilimitados do mapa, uma liberdade que a literatura tantas vezes restringe.
Desde a infância, somos ensinados a evitar os nossos próprios desejos. A aceitar que nós e as nossas paixões somos um só que leva tempo. Neste ponto, a obra invisível de Luísa Cunha (um som «shiu» que emana do teto) é ouvida como uma provocação irónica contra o conservadorismo social predominante. Ao entrar e sair da exposição acompanhados por este som, ganhamos uma certa coragem, uma rebeldia contra essa pressão internalizada de controlo que tentamos constantemente suprimir.
Os discursos queer inspiradores na arte ganharam impulso especialmente a partir do início do século XXI. Uma Densa Nuvem de Amor revela que a autoridade e o poder podem mudar, mas são as pessoas que redefinem o seu significado. A Universidade NOVA oferece um espaço e recursos excepcionais para estas obras. O que perdura é, sobretudo, a nossa vontade de sobreviver e, mais importante, a nossa insistência em existir como somos, sem submissão, sem disfarces.
Por esta razão, parece-me pertinente concluir este texto com os versos finais do poema de Hilda de Paulo:
Porque assim,
escolho amor.