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ÔNFALO: A Questão de Tudo
DATA
24 Out 2025
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AUTOR
Ayşenur Tanrıverdi
No dia em que visitei a exposição Ônfalo, tinha O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, de Jorge Luís Borges, na minha mala. Em momentos como este, os meus instintos raramente falham. Depois de deixar a Brotéria, sentei-me num banco do Miradouro de São Pedro de Alcântara e abri o livro.
No epílogo, André Maurois explicou que Borges, ao tecer os seus labirintos mágicos, seguiu o caminho do grande filósofo renascentista Giordano Bruno, que imaginou um universo infinito sem centro. As narrativas míticas captadas pela câmara analógica de Hugo de Almeida Pinho, ávidas de se revelar, ressoavam com as ideias de Bruno perante um cosmos fechado. Fiquei muito feliz por encontrá-las no livro logo após visitar a exposição.
Ônfalo abre caminho a uma das questões mais duradouras da história: o Centro. E o centro, pela sua natureza, implica ciclicidade. Nietzsche descreve esta noção como o Eterno Retorno: o retorno perpétuo através do qual a vida revela a sua estrutura circular. Cada história individual (ou a história do mundo) é continuamente reencenada a cada momento, inteiramente contida e reimaginada no ciclo em constante transformação do ser.
Desde o início sentimos que algo está diferente. A porta da exposição da Brotéria, aquela que estamos habituados a ver escancarada, está fechada.
Acima dela, pende uma pintura, precariamente colocada num ângulo assimétrico. Não só se recusa a ficar "direita" de qualquer ponto de vista, como a imagem dentro dela está também distorcida. Olhando mais de perto, reconhecemos que a fotografia representa o Grupo de Afrodite, Pã e Eros, a escultura em Atenas que mostra Pã a tentar seduzir a deusa do amor e do desejo, Afrodite. Vemos uma projeção de Pã, com as suas veias pronunciadas, a sua natureza animal perturbadoramente ampliada.
Aqui, a forma é priorizada em detrimento do conteúdo. A distorção (ou, mais precisamente, a negação) do centro desperta a curiosidade do observador. Por outras palavras, o centro perdeu a sua "centralidade".
Em vez de entrarmos pela porta principal, viramos em direção à entrada mais pequena, logo à esquerda da grande escadaria da Brotéria. A primeira narrativa que ali nos recebe é a do Acaso.
Aqui, dentro de um pequeno monte de areia, jazem fragmentos de osso. De formato ligeiramente cúbico, estes ossos eram utilizados em antigos jogos de dados divinatórios para prever o futuro. O artista recriou os ossos do tálus, retirados da zona entre o pé e o tornozelo, à escala real, em cerâmica.
Hugo de Almeida Pinho atribui um sentido de acaso à sua própria centralidade. Há uma coisa com a qual todos podemos concordar: o movimento começa no centro. O poder e a nossa posição no mundo repousam no acidente do centro.
O jogo dos dados é um gesto de humor peculiar do artista; afinal, a humanidade pode suportar muito – terramotos, ruínas, morte e sofrimento –, mas perante o acaso, somos impotentes. Devemos aceitar os dados à medida que caem.
Guiado pela palavra Ônfalo (omphalos, ὀμφαλός), palavra grega para "umbigo", o artista leva-nos até Delfos, no sopé do Monte Parnaso, outrora considerado o centro do mundo. Entre as imagens que passam no grande ecrã principal, vemos Utriusque cosmi maioris (1617), de Robert Fludd. Acho este símbolo fascinante: uma única corda esticada e afinada por uma mão estendida a partir de cima – presumivelmente a mão de Deus – ilustrando a ideia de que todos os seres, desde o divino até ao material, vibram em harmonia cósmica. É uma visão que se entrelaça perfeitamente com o conceito de Ônfalo: o universo imaginado como um instrumento, onde a ordem das notas de Deus sustenta o equilíbrio e a simetria em toda a existência.
Encontradas na Serra da Freita, em Portugal, as Pedras Parideiras, um fenómeno geológico raro, transportam consigo uma sensação de fertilidade, como se "nascessem" da "pedra-mãe". Uma pequena pedra elíptica de biotite, surpreendentemente radiante, assenta sobre uma elevação de terra no canto do espaço expositivo, como uma obra de ficção científica retirada diretamente de um romance de Stanisław Lem. O seu brilho é verdadeiramente surpreendente.
A série de fotografias é composta pela sobreposição de duas imagens: em segundo plano, encontramos fotografias tiradas nas Grutas de Mira de Aire, em Portugal, e sobrepostas às mesmas, imagens de arquivo de diferentes contextos, que vão desde o século XVI ao século XXI. Destaca-se a pintura de pequena escala de John Collier, de 1891, Sacerdotisa de Delfos. A pintura retrata Pítia, a alta sacerdotisa do Templo de Apolo, na Grécia Antiga, segurando uma folha de louro e inspirando um vapor inebriante que se eleva de um abismo na terra, conhecido como pneuma, enquanto entra em estado de transe para proferir as suas profecias e prever o futuro. E, de facto, a própria Pítia se torna um centro: o centro da profecia.
Outro símbolo que aqui considero relevante é a caricatura de Benjamin Franklin, Join or Die, de 1754, uma das ilustrações políticas mais famosas da história, que também pode ser lida como uma referência ao problema da centralização. Com este desenho, Franklin defendia que as colónias britânicas americanas precisavam de se unir contra os franceses e os nativos americanos. Cada segmento da cobra representa uma colónia, desligada das restantes. A imagem simboliza a fragmentação geográfica e a divisão política e, ao mesmo tempo, reflete um desejo de centralização, uma vontade de consolidar o poder. Na sua essência, é uma "batalha pela centralidade".
Na última pequena sala da exposição, encontramos uma narrativa mais crua. Aqui, não existem símbolos ou associações, apenas uma projeção de diapositivos exibindo uma fotografia de 35 mm de uma parede recém-pintada no interior da Catacumba de Priscila, em Roma. A imagem retrata um presépio e uma das mais antigas pinturas marianas conhecidas, destacando a importância da figura feminina, a ideia do presépio como o centro do mundo e convidando o espectador ao silêncio.
Ônfalo é tecido com estruturas convexas e côncavas. Nas formas convexas, encontramos a fertilidade potencial da Terra, sismos, erupções vulcânicas e túneis de perfuração concebidos pelo homem, localizados a 12.000 metros abaixo do solo; nas côncavas, exploramos os efeitos afrodisíacos do pneuma, das grutas e dos refúgios escondidos. E, nisto, percebemos que o momento alegre em que Hugo reparou num rosto sorridente dentro de uma pedra na Gruta Corícia pode conter o centro de tudo, assim como os caminhos ramificados de Borges, onde cada escolha abre um centro individual próprio.
A exposição está patente na Galeria da Brotéria até dia 8 de novembro.
BIOGRAFIA
Ayşenur Tanrıverdi é uma escritora sediada em Istambul. Vive em Lisboa desde setembro de 2022. Estudou na Universidade de Istambul e é autora de duas obras de ficção literária publicadas. Colaboradora regular do Cumhuriyet, um importante jornal turco, onde escreve sobre a cultura portuguesa. Os seus ensaios e textos críticos sobre teatro, literatura e arte contemporânea também têm sido publicados em várias revistas de arte.
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