O cardo surge na investigação da artista por uma feliz coincidência, numa altura em que trabalhava o tema da contaminação e regeneração dos solos. Na mesma instituição com a qual colaborava - a Escola Superior Agrária de Viseu -, o investigador Paulo Barracosa estudava as capacidades regenerativas da planta. Assim, o projeto ganhou múltiplas ramificações.
Entre a ideia de simbiose entre vida humana e vegetal e os solos contaminados pela exploração mineira, emerge uma tensão: estes solos são reflexo de uma dimensão que sublinha a quebra da primeira ideia simbiótica, a qual, no entanto, persiste na própria narrativa da instalação sonora. Cynara é um ser híbrido: animal e vegetal, humano e cardo.
Na instalação, para além da narrativa oral, escrita e lida por Diana Policarpo, são audíveis gestos e movimentos tipicamente bucólicos. O visitante é colocado neste campo híbrido reservado a Cynara - um espaço poroso onde a palavra pressentida sucede à palavra lida e se reveste dos sons do campo, colocando-o num lugar de dúvida, como se pudesse, temporariamente, unir-se ao solo e partilhar da vivência que a artista nos narra.
Os três desenhos presentes no espaço permitem intuir a vida vegetal, na indefinição necessária ao próprio processo de intuição. Na sua composição, a artista inclui papel feito a partir do próprio cardo, para além do habitual Fabriano. Assim, o processo de representação recua perante a presença do representado. Estamos, novamente, diante de um corpo híbrido, uma simbiose. O espaço expositivo reforça esta ambiência através do seu purpureado.
O cardo revela-se uma planta salvífica, regeneradora de solos. A consciência desta capacidade leva o ser humano à sua utilização, fazendo do ser vegetal uma extensão de si mesmo. Na senda da investigação da bióloga Lynn Margulis, a simbiose mostra-se como força motriz da evolução, propulsora de formas de vida mais robustas. Através do trabalho de Diana Policarpo entendemos a potencialidade das simbioses; Cynara Complex coloca o foco nisso mesmo. Cynara, a da história, reclama empatia e alteridade, apesar da sua hibridez. Pensamo-la sobre o solo contaminado e agradecemos o seu esforço. Cynara é uma metáfora simbiótica que, tal como a própria arte, opera em territórios difíceis.
O motivo da contaminação dos solos - a exploração mineira - exige reflexão. Trata-se de um método de exploração híbrido, desta vez em sentido negativo, que simultaneamente destrói a natureza e afeta o ser humano. Estas ações evidenciam não apenas o impacto ecológico, mas também social e cultural, deixando marcas profundas e duradouras no território, na memória coletiva e nas formas de habitar o espaço.
Cynara Complex, de Diana Policarpo, pode ser visitada até 7 de dezembro.