You are surely lost. Stand still. The forest knows where you are.1
A ARTE ECOLÓGICA será um regresso à origem das nossas próprias fontes; a reabilitação das coisas mais simples no significar da comunicação estética, não através de um processo de ordem cultural, na aquisição de valores de carácter transitório, mas pela consciência das essencialidades, pela penetração no âmago dos átomos, pela chamada aos contactos com aquele mundo que se define em nós sem os constrangimentos da complexidade social: a relação consciente dos significantes na ordenação de uma crítica profunda sobre os significados que virão depois como autenticidade de relações com o mundo.2
É a partir de uma abordagem arquetípica do meio que surgem muitas das obras que compõem esta exposição. Não se trata de uma leitura circunstancial dos elementos, mas de uma consciência sustentada que honra um conjunto de corpos orgânicos não-humanos e que os convoca como matéria estética. É nesta relação quase osmática, onde o gesto artístico está na aparente iminência da sua suspensão, que podemos concluir, poeticamente, que o que vemos é o que sempre vimos, mas que nunca soubemos ver. Se a paisagem de Michael Biberstein, intitulada Bid Drift, tem um referencial mais amplo, apesar dos já sabidos elementos temporais que reforçam a sua unicidade, encontramos esta obstinação com a natura nos trabalhos presentes não só do já citado Alberto Carneiro, em A floresta, como também em Gabriela Albergaria, cuja sequência de desenhos que encerra a exposição, Storm Burned Coastal Redwood, acaba completada pela própria paisagem envolvente do Centro de Artes Villa Portela, visível através da janela.
Partindo desta premissa telúrica, somos convidados a testemunhar este diálogo curatorial composto por Rita Gaspar Vieira e Sandra Vieira Jürgens. Vemos os corpos irónicos e surrealizantes que Tiago Baptista espalha pelo espaço e questionamos de que lado está a floresta, ou qual é a floresta que está deste lado. Os trabalhos de Ana Vieira e de Ana Hatherly contribuem igualmente para essa deslocalização e para uma noção acrescida de que representado e representação ocupam o real de igual modo. A pequena criatura que parece surgir do Buraco Quase Lírico de Álvaro Lapa confronta-se com a partitura de Sandra Cinto, na obra Uma melodia para Leiria, que crescerá até ao final desta exposição pois ser-lhe-ão diariamente acrescentados desenhos sobre papel artesanal produzidos no Moinho do Papel, numa analogia com a própria natureza que ironiza pela inevitável dependência do gesto humano, como tudo o que afinal nos rodeia aqui. A diferença estará em saber receber e saber devolver – num pensamento que deveria ser sempre subjacente ao edificado. Armanda Duarte, com a obra dorso, lança a possibilidade do espaço-criatura e recorda-nos que somos um corpo dentro de um corpo, numa mise en abyme comparável ao que sentimos na obra de João Onofre, Untitled (N’em Finit Plus) que, com #234, de Fernando Calhau, nos lembra a noite como irónica definidora da sequência vital.
A exposição Sonho Manifesto! Em Leiria, todas as árvores são pinheiros assinala assim a inauguração deste novo espaço de Leiria e pode ser visitada até dia 31 de janeiro do próximo ano. Projetado em 1895 por Roberto Charters Henriques d’Azevedo, o Centro de Artes Villa Portela reúne um chalé oitocentista, um parque arborizado, um lago romântico e várias dependências típicas de uma quinta do final do século XIX, hoje adaptadas a oficinas e residências criativas.
Para além dos artistas referidos ao longo do texto, podemos ainda encontrar obras de Ângelo de Sousa, Claire de Santa Coloma, Francisco Tropa, Imi Knoebel, Jimmie Durham, João Tabarra, Maria Helena Vieira da Silva, Pedro Cabrita Reis, Peter Zimmermann e Projeto Teatral.
1 Wagoner, D. (1999). Lost. In Traveling light: Collected and new poems. University of Illinois Press.
2 Carneiro, A. (1973). Notas para um manifesto de uma arte ecológica. Revista de Artes Plásticas, (1), 6–9.