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Sujeito a Tensão: Anatomia do Corpo-Máquina
DATA
12 Jun 2025
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AUTOR
Dela Christin Miessen
O papel dos museus está a mudar. Os gabinetes de curiosidade e Wunderkammern, transformados em teatro colonial, há muito são locais onde o poder se disfarçava de classificação. Os museus de história natural – antes focados na exibição ordenada das taxonomias e na classificação da vida – estão agora a ser repensados. Já não são apenas espaços de preservação. Estão a tornar-se locais de experimentação, de reflexão e de leve perturbação. O impulso de nomear e conter está a ser substituído pela curiosidade.
Algures entre a precisão anatómica e a poesia da decadência, a Equação Pessoal de Maria Máximo, patente no Museu Nacional de História Natural, insere um trabalho profundamente pessoal que redefine os limites do corpo como uma provocação disruptiva.
A prática de Maria Máximo começa a partir de dentro – um corpo ao qual ela chama de matriz. Um corpo com órgãos, sensações e constrangimentos. Um corpo que age e que, ao mesmo tempo, é percebido, atuado. Em Equação Pessoal, Maria encontra outro corpo: uma máquina. Ou melhor, transforma-se na ideia de um corpo-máquina.
Mas o que é uma máquina no Universo Maria Máximo? Em vez um dispositivo de produtividade, a máquina oferece uma extensão. Não do tipo digital ou elétrico, mas mecânico, analógico, humano. O seu corpo-máquina participa numa delicada coreografia de interdependência.
No centro da exposição encontra-se o vídeo Flatfish Shit (2024), filmado numa cisterna na Faculdade de Belas Artes. O cenário é vazio, a ação é íntima. Suspensa por um guindaste, a artista urina sobre uma solha moldada em bicarbonato de sódio, dissolvendo–a lentamente através de um dispositivo protésico – um mictório feminino. O gesto é minimalista, mas carregado. Máximo descreve-o como uma "subtração de matéria", um processo de remoção que expõe algo mais elementar: "caminhos plásticos", "aparência arquitetónica" e, o mais importante, o desenho – a que ela chama de "a forma mais nobre de catarse.” Parece uma limpeza, não do corpo, mas dos seus limites. A matéria dissolve-se, o corpo desvanece-se. A performance termina com o seu desaparecimento do quadro.
A instalação segue esta lógica. O vídeo projetado num ecrã é suspenso por um sistema mecânico de polias e contrapesos. A estrutura é ancorada por uma caixa semelhante a um congelador que contém os vestígios tangíveis da performance — o mictório, cuidadosamente preservado. Não são apenas adereços, mas parte do sistema que faz a instalação funcionar. Toda a estrutura é construída como equação literal. Uma configuração baseada numa calibração cuidadosa.
Chamem-lhe o universo Maria Máximo: gravidade, coragem e equilíbrio suficiente para evitar que entre tudo em colapso. Enquadrado dentro de um museu que prova que está pronto para conter, não apenas o passado, mas também o presente urgente.
BIOGRAFIA
Dela Christin Miessen é investigadora, escritora e editora. Faz parte do Aberta Studio em Lisboa e é co-fundadora da Echoes Residency dedicada a práticas artísticas socialmente empenhadas.
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