Partindo de uma proposta expositiva que procura pensar o ato de caminhar na sua dimensão material e espiritual, foi concebido um espaço capitulado em quatro partes: “Paisagens em que nos sentimos em casa”, “Viajar e mapear a paisagem”, “Itinerários da imaginação”, e “Rumo ao desconhecido”. O visitante é justamente convidado a percorrer estas salas, numa caminhada que se desloca subtilmente de um âmbito concreto e paisagístico para um universo abstrato e espiritual.
Começando pelas paisagens de Amadeo de Souza-Cardoso, Hygino Mendonça, José Malhoa, António Saúde, e Fausto Gonçalves, a caminhada parte de uma noção concreta do mundo natural, dos primórdios de uma tradição pictórica dos séc. XIX e XX, que consolidava na tela um olhar sobre a paisagem portuguesa. “Paisagens em que nos sentimos em casa” apresenta uma ideia romântica do caminho enquanto passeio pela natureza, bucólico e pristino, numa demonstração de um estado de coisas pouco afeto à modernidade. Mas não será por acaso que um comboio miniatura se encontra num canto da sala, percorrendo um pequeno túnel para a divisão seguinte. Este detalhe curatorial foi concebido enquanto alusão a uma passagem, uma deambulação, para um outro itinerário, para a saída de um caminho aterrado na paisagem e contemplação da natureza, que desagua nos trilhos inesperados de outros territórios e percursos.
“Viajar e mapear a paisagem” – a segunda instância da exposição – apresenta uma nova leitura do gesto de caminhar, onde quadros de Nadir Afonso, João Hogan, Mily Possoz, e Joaquim Rodrigo, reconfiguram um mapeamento do território numa relação com as cidades, migrações, e a memória que fica da passagem por esses lugares. Aqui, o comboio cessa o seu percurso. Pois os momentos seguintes partem de uma relação espacial e material, para universos interiores, cósmicos e espirituais.
A contemplação cede espaço à introspeção, onde a terceira sala – “Itinerários da imaginação” – configura uma perspetiva alternativa naquilo que pode ser entendido como a caminhada interior de cada individuo, a bagagem pessoal que cada um carrega, cuja dimensão ou conjuntura pode ser difícil de rastrear. Aqui, libertados de motivos naturalistas ou citadinos, é trazida uma dimensão abstrata nas obras de Noronha da Costa, Arpad Szenes, Eduardo Nery, Jorge Martins, e Jorge Pinheiro, nas quais luz, linhas, símbolos, ou até mitologia clássica, servem de matriz visual para reenquadrar a jornada humana.
Seguindo esse mote, a quarta e última sala intitulada “Rumo ao desconhecido”, apresenta-se já distante das demais. A caminhada toma agora uma forma existencial, filosófica, e imaterial, Já não se trata de admirar o mundo natural, de perspetivar a vida citadina, as memórias das vivências em sociedade, ou de cismar na introspetiva individual e identitária. Nesta última sala, o visitante é confrontado com as questões derradeiras inerentes ao fim do caminho, ao sentido da vida, mediadas e pontuadas pelos quadros de Eduardo Batarda e António Faria.
Patente até 24 de agosto de 2025 no MNAC, a exposição perspetiva também a apresentação de ensaios inéditos, tornando-se um pretexto ideal para conhecer mais sobre a pintura contemporânea portuguesa e a coleção Millenium bcp, enquanto se aventura por uma caminhada diferente do habitual.