O primeiro piso ocupa-se da exposição Do Teatro ao Retrato, dando foco ao trabalho fotográfico de Eurico do Vale, composto por retratos que primam por uma mise-en-scène apurada, onde se compreende uma constante vontade por performar ou teatralizar quem se apresenta diante da câmara. Isto não implica uma desconsideração perante os sujeitos retratados, pelo contrário, a implícita pré-produção adjacente a cada retrato, invoca no observador uma clara dignificação dos retratados; a par de uma certa subtileza, comédica ou jocosa, que carrega as fotos de uma potencialidade especial.
Parece ser esta uma tendência constante nos retratos de Eurico do Vale, que oscilam habilmente entre noções de naturalidade, espontaneidade e teatralidade – como no caso da série Casamentos e Festas –, mas que não escondem preocupações mais globais de perda ou extinção que extravasam o retrato. Demonstradas no registo das alterações citadinas em séries como As Senhoras do Chiado, Lisboa anos 90, ou Lisboa Operária, que acabam por revelar, através do recurso a diferentes técnicas de fazer o retrato (na primeira uma câmara à mão, ao estilo de Cartier-Bresson ou Kertész, nas duas últimas um uso do tripé e do estúdio que invoca Félix Nadar), uma antiga Lisboa em desaparecimento face à entrada no novo milénio; ou, também, no registo dos limiares de mudança entre a infância e a adolescência como se observa na série – ainda a decorrer – intitulada Adolescentes do séc. XXI.
No segundo piso, ainda com o eco das imagens de Eurico do Vale, faz-se um contraste revelador com o trabalho de António Pedro Ferreira em Allez Paris. Embora as matrizes sejam idênticas entre estes fotógrafos, pois ambos trabalham a dimensão retratista, António Pedro Ferreira distancia-se da tónica cenográfica que caracteriza grande parte do trabalho de Eurico do Vale, consolidando uma fotografia eminentemente documental em registo direto. Allez Paris revisita as provas impressas pelo autor em 1996 (expostas coincidentemente pela primeira vez no Arquivo Municipal de Lisboa nessa altura) para oferecer uma releitura, ou atualização, deste acervo. As quarenta provas são apresentadas lado a lado, num mergulho sobre a migração portuguesa em França durante os anos 1980.
Registos precisos do quotidiano da comunidade migrante revelam Saint Denis e o Norte de Paris numa ampliação sensível, reforçada por um puctum de opostos trazido pelas dicotomias visuais presentes: a esperança de uma vida melhor, as saudades da terra natal, a precariedade existencial, e a vida em comunidade.
Estas exposições estão patentes no Arquivo Municipal de Lisboa até 20 de setembro de 2025 - com uma visita guiada pelos curadores marcada para o dia 20 de setembro, às 15 horas, bem como uma visita guiada para pessoas cegas ou com baixa visão, igualmente para o dia 20 de setembro, pelas 11:00. A entrada é livre.