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Improvisation in 10 days, de Tarek Atoui: Encontros polifónicos como resistência sónica
DATA
20 Jun 2025
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AUTOR
Orsola Vannocci Bonsi
No seu livro "Sonic Agency" (2018), Brandon LaBelle descreve o som como uma força política e relacional, capaz de atravessar fronteiras físicas e geográficas e de envolver corpos e espaços de formas radicais e profundamente sensoriais.
As palavras de LaBelle vieram-me à mente enquanto deambulava pela exposição individual única de Tarek Atoui (1980, Beirute) no Hangar Bicocca em Milão, a primeira em Itália. Atoui é um artista que transformou a escuta num ato coletivo, bem como numa prática artística, e que se define como um “ser nómada”, entendendo o som como um espaço de encontro e intercâmbio.
Improvisation in 10 Days transforma radicalmente a identidade do espaço expositivo, tornando-o num organismo vivo que respira, pulsa e ressoa. O título refere-se à fase inicial da exposição: dez dias de improvisação e composição no local que geraram o núcleo da exposição. Os sons resultantes continuam a ressoar pela galeria, ativados por uma rede de algoritmos, a que Atoui chama cérebros mestres, que acionam os instrumentos sem a necessidade de executantes humanos.
A exposição é um organismo em evolução, composto por obras adaptadas e reinterpretadas para os vastos espaços industriais do Shed. Uma das obras centrais é Souffle Continu, alimentada por fluxos de ar gerados por motores e controlados por computadores. O nome faz referência à respiração circular, uma técnica utilizada pelos músicos de instrumentos de sopro para produzir um fluxo contínuo de som. Este grupo de obras surgiu através uma colaboração com alguns estudantes surdos, uma vez que Atoui procurou explorar o som através de experiências físicas e corporais. Nas obras deste grupo, Wind House #1 e #2 (2023-2024), as vibrações das ondas sonoras propagam-se pelo espaço e são sentidas tanto sonora como fisicamente pelo público.
Outro grupo de obras, The Rain (2023-2024), foi desenvolvido durante uma residência na Coreia do Sul, onde Atoui colaborou com artesãos de instrumentos musicais tradicionais. As peças resultantes são requintadamente personalizadas a partir de materiais refinados, como a cerâmica, a porcelana, o papel hanji e o metal, inspirados nos quatro elementos naturais. É interessante notar que a propriedade intelectual dos instrumentos permanece com o seu fabricante, enquanto Atoui considera a composição sonora e o sistema de ativação como a sua verdadeira obra de arte. Trata-se de uma reflexão subtil sobre a autoria e o papel do artista como alguém que não é um criador solitário, mas um facilitador e orquestrador, mas sobretudo alguém que deve colaborar.
Talvez o momento mais poético da exposição seja Water's Witness (2020-2023), um projeto baseado em gravações de campo e estudos realizados em cidades portuárias de todo o mundo. Outrora centrais para a vida quotidiana, muitos destes portos tornaram-se zonas de segurança seladas e inacessíveis. Sentado em blocos de pedra maciça, que são, de facto, esculturas sonoras, escutei vibrações e traços sonoros que parecem devolver-nos esses lugares. Aqui, o som torna-se um arquivo sensível, uma memória fluida do que já foi e do que poderá voltar a ser, mas também um arquivo de sons e ecos passados ligados a estes lugares.
A exposição de Atoui convida-nos a ouvir de forma diferente, com o corpo, com a pele, com empatia e memória: a atravessar o som como se atravessam fronteiras ou cidades costeiras. Lembro-me de como John Cage rejeitou a centralidade do compositor; da mesma forma, Atoui dissolve a autoria ao envolver diversas comunidades num processo de criação coletiva. Na sua abordagem aberta e em camadas à composição, torna-se evidente a influência da herança árabe de Atoui, não só na noção de colaboração e hospitalidade típica das culturas mediterrânicas, mas também nas estruturas modais e polifónicas da música árabe, que cria espaços onde coexistem várias vozes sem hierarquia. Atoui abre passagens, restaurando o poder político, coletivo e acessível do som e, acima de tudo, convidando-nos a fazer o mesmo.

BIOGRAFIA
Orsola Vannocci Bonsi é uma produtora e consultora cultural que vive em Lisboa há oito anos. No seu trabalho, promove ligações através da sua pesquisa e dos projetos que ajuda a concretizar. Com experiência como diretora comercial e galerista em várias galerias de arte portuguesas, foi também gestora de projetos e diretora artística da FEA Lisboa, fundou o coletivo curatorial Da Luz Collective e contribuiu para a programação de festivais em Itália e Portugal.
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