Se Christiane Kerner visse o gigantesco outdoor da Coca-Cola, colado numa das fachadas do edifício perto de sua casa, colapsava e morria. O seu coração frágil, depois de um primeiro alerta com a prisão do seu filho, não iria resistir à transformação que a antiga Alemanha de Leste sofria com a queda do Muro de Berlim.
Foram oito meses de coma. Christiane recuperava na cama de um hospital, alheada do que se afigurava ser um precipitado e erróneo fim da história. Ausente, Christiane ainda pensava, nesse sono convalescente apartado da vida, que o seu Partido Socialista Unificado da Alemanha traria o amanhã prometido pelo marxismo-leninista. A Coca-Cola seria o seu fim, e o fim de tudo aquilo em que acreditara durante toda a sua vida.
Para Alex Kerner, a solução pareceu-lhe óbvia: construir a ilusão; manter a casa com todos os aparatos da recentemente extinta República Democrática Alemã (RDA); tapar os ventos da mudança; cristalizar o tempo num momento fictício, morto, atemporal, para que a sua mãe continuasse a viver sem sobressaltos. Porque a política era morte, a ideologia socialista, vida e a alteridade das inconstâncias democráticas, impensáveis.
Situado no cruzamento da Leipziger strasse com a Seydelstrasse e a Axel-Springer strasse, o Spitteleck mostra-se com a sua morfologia brutalista. De génese radicalmente utilitarista e funcionalista, dispensando nostalgias formais ou suavizações cosméticas, o Spitteleck não tem artifícios: o betão é aparente, os revestimentos são o minimamente indispensável e a estrutura tem o mesmo interesse plástico que os grandes planos arquitetónicos. No cimo, a coroar o edifício, as letras onduladas da Coca-Cola, ampliadas à escala da cidade, em jeito triunfal, escarnecendo do mundo, gozando com todos os que pugnam pelo fim do consumismo, do capitalismo, do neoliberalismo.
Já não estamos em Good Bye Lenin! (2003), mas a publicidade ali está, indiferente a tudo e todos. Terá o significado que cada um lhe quiser dar. Pode querer dizer muito ou absolutamente nada. Aceitamo-la como muitas outras coisas que aparecem nas cidades, sem grandes intervenções, sem grandes questões – aceitamo-la, enfim, acefalamente, para nos interpelar apenas quando a vista foi lavada e o sentimento crítico incendia o fulgor de um relâmpago indignado.
E os nossos desejos, que fazer deles? Que fazer dessa bebida sacarívora, que tanto nos refresca? Consegues mesmo contrariar os teus desejos – os teus desejos que são nossos, do grande capital? Até que ponto te é permitido resistir a uma voragem que é planetária, que se perfila imaculada, ordeira, devidamente rotulada e etiquetada nas prateleiras dos supermercados, brilhante, fria, metálica, intensamente jovem, que satisfaz todos os sentidos, inesgotavelmente – desde que tenhas dinheiro –, porque as estantes estão sempre cheias e os supermercados estão sempre abastecidos, para renovar uma e outra vez, de sempre e para sempre, o bendito, maldito desejo?
Gestos universais: dobrar a anilha da lata de Coca-Cola. Pstshhh, e o gás faz borbulhar o interior. Bolhas rebentam nos lábios e perfumam o nariz com a fragrância doce, vegetal e carbonizada que caracteriza a bebida. He Xiangyu imortalizou esse gesto em Asian Boy (2019-2020). Uma criança franzina segura um objeto com a mão esquerda, puxando qualquer coisa com os dedos da mão direita. A lata de Coca-Cola não está lá, mas intuímos o gesto.
A criança é um modelo exato de um amigo do filho de Xiangyu. Reproduzida em metal, na desoladora materialidade do bunker que acolhe a Coleção Boros, há algo de profundamente enternecedor e ao mesmo tempo angustiante nesta criança. A solidão só é colmatada pelo júbilo daquela latinha, que promete uma experiência comum, partilhada por tantas outras crianças no mundo inteiro. Mas há mais para além da poética do gesto. É impossível separar esta criança isolada, pré-pubescente e do sexo masculino, da política do filho único, imposta aos casais no final da década de 1970 pelo Estado chinês. A expetação do gesto, da bebida, é a mesma expetação que se abre ao futuro desta criança. E a história do lugar, deste bunker insuportável, acrescenta uma nova camada histórica à obra, como se os fantasmas do passado fizessem animar o horror das crianças que eram elevadas ao teto, para que pudessem respirar mais oxigénio e tivessem mais chances de sobreviver. Que futuro pode esta criança ter? Que mundo, depois de uma crise climática precipitada por um capitalismo predador, extractivista, aperfeiçoado em torno das nossas vontades, para colmatar os nossos desejos narcísicos que destroem a natureza, corrompem e alimentam as mais baixas paixões humanas?
Esta é uma obra duracional. De 2019 a 2020, He Xiangyu abriu milhões e milhões de latas de Coca-Cola, contratou trabalhadores para a cozinharem e reduziu a bebida à sua essência: carvão, detritos calcinados, negros, altamente nocivos para o ambiente e a saúde dos que a consomem. As sobras de um gesto são empilhadas na sala próxima da criança, nas suas costas; um cheiro simultaneamente acre e adocicado inunda o espaço, num monte escuro e pegajoso, que graça a cada bebida, a cada desejo saciado: os despojos de um consumismo que já não é só ocidental e se tornou global, tão pesado como a escultura em metal de um gesto imortalizado num segundo, sob a forma de uma criança chinesa. Porque quem conduz o capitalismo mundial já não é a América; é antes um país cuja matriz política é uma deliberada confusão de comunismo e capitalismo em esteroides – uma contradição que não é debatida internamente e que, aparentemente, só a arte consegue escalpelizar e dar sentido.
Diante do Spitteleck, com o logótipo da Coca-Cola a vigiar a cidade, Berlim parece tranquila. É, no entanto, uma cidade politizada e combativa, no diâmetro oposto a qualquer cidade chinesa: protestos contra a guerra na Faixa de Gaza e o massacre de milhares de palestinianos – um escandaloso tabu nas instituições alemãs e europeias; cartazes e manifestações pela habitação digna, a preços controlados; palavras de ordem em graffitis e outdoors, apelando a posições críticas, para que a sociedade global acorde do estado comatoso em que se encontra; mais manifestações, desta vez contra a extrema-direita, o racismo, a xenofobia, o dia nacional do veterano. O que houver ainda da moral marxista, está aqui… tímida, derrotada, mas ainda visível e audível.
Há bolsas comunais onde a discursividade e o pensamento crítico sobre a vida são notórios. Uma coisa tão insignificante quanto um espaço expectante, sem programa destinado, é ocupado pelos cidadãos e transformado em jardim. A mobilidade alternativa enfrenta o lóbi das grandes multinacionais alemãs de automóveis. Berlim ainda é a cidade do informalismo e da autonomia, cuja reflexão promove novas formas de vida, de coabitação ou coexistência – a cidade da revolução em perpétuo devir.
Mais pequenos nadas: uma conversa sobre a rádio enquanto rede que permite criar laços e fomentar uma ecologia de práticas sobre a diáspora africana e a empatia; pequenas silhuetas de lebres em latão coladas no pavimento das ruas, em memória da única espécie que prosperou pacificamente na no-man’s-land que, com o Muro, dividia a Berlim ocidental da de leste – uma obra de Karla Sachse; a Miss Read, uma feira de livros e publicações de arte baseada na partilha de conhecimento para refletir sobre a bibliodiversidade e em estratégias de sobrevivência, num sector em agonia e há décadas em crise.
A política está presente. E mesmo quando está ausente é vociferada pelo silêncio da culpa histórica.
A 13º Bienal de Berlim, o que tem de interessante, tem também de alarmante – não pela catalogação da miséria dos outros, mas também pelas estratégias subversivas de evasão ou fuga, que podem soar a fingimento ou a falta de sinceridade. A figura da raposa, que ocupa uma posição dúbia no folclore mundial, é oportunamente amestrada pela curadora Zasha Colah. A raposa troça de tudo, até da própria bienal. Fica por saber se é intencional, por parte da curadoria e das instituições parceiras, ou se escapa ao raciocínio autocrítico. A Palestina não está ali explicitamente, mas cada instalação parece querer falar do rio até ao mar. Há instalações e obras que impressionam. Cada piso do KW – Institute for Contemporary Art é um encontro bem-sucedido de obras e artistas. O ativismo de Looking for Mukamusaka – An Experimental Opera, de Anawana Haloba, encontra eco nas performances de Han Bing and the Kashmiri Cabbage Walker. Se a primeira envolve o espectador na sonoridade construída a partir de personagens do sudoeste africano ligadas aos direitos civis e à injustiça colonial, a segunda trabalha o absurdo como luta política e memória: o que faz uma couve a passear-se nas sombras da Praça de Tiananmen? Há uma atmosfera vincadamente teatral ou cenográfica em todo o núcleo: o maximalismo de Etcétera, com LIBERATE MARS; as miniaturas de Gernot Wieland, com Family Constellation with a Fox, prontas as serem animadas por uma criança; e a obra total Joker’s Headquarters. Gesamtkunstwerk as a Practical Joke, de Swangwongse Yawnghwe, com a mistura de ironia e sarcasmo, em que a indústria militar se faze ler com o olhar de um burro.
Mas algo de profundamente crítico jaz ainda nesta obra – algo que afronta as próprias instituições culturais e a idoneidade política com que naturalmente se revestem. Yawnghwe faz uma analogia entre o financiamento militar e o financiamento das instituições de arte, que se servem dos lucros e da boa consciência filantrópica para as suas programações, aceitando com isso a cumplicidade com os negócios das máquinas de guerra. As instituições que abraçam um capitalismo inerentemente contraditório, acabam por se tornar também elas contraditórias. (Podemos citar Mao Tse-Tung sobre a contradição? Marx é seguro e mais ou menos consensual, mas Mao Tse-Tung nem por isso… e ainda assim têm absoluta razão neste ponto.)
(E podemos falar sobre o modelo de negócio do Fotografiska? O grau zero das instituições culturais, que provavelmente todos os políticos adoram: básico, mensurável, alegre, etecetera, etecetera, etecetera. A exposição da Toiletpaper no Fotografiska de Berlim? Demasiado inteligente para a própria instituição, mas certamente o melhor lugar para acontecer.
(Fiquemo-nos por aqui.)
Neste ponto, é possível que a própria bienal saiba fazer esse exercício radical de crítica e análise ao olhar para as suas fundações, os propósitos que servem e que dela se servem para limpar o arrependimento. A economia da arte é um emaranhado de interesses neoliberalizados, profundamente imbrincados nas estruturas de poder em que se firmam. A instalação de Yawnghwe é uma metaironia: sempre que olhamos para os objetos que nos apresenta, encontramos um lastro de dúvida e inquietação, fazendo e desfazendo a sinceridade continuamente. Provavelmente a mesma sensação com que ficamos depois da obra de Simon Wachsmuth, From Heaven High, a respeito dos meandros jurídicos usados para silenciar os artistas dadaístas John Heartfield e Rudolf Schlichter, na década de 1920… já então o humor era coisa belicosa e dúbia.
Esta é uma exposição cerebral. Exige ao espectador atenção, leitura e bagagem cultural para a desconstruir. Não é fácil.
Nos seus antípodas estaria After-Image, que busca na coleção da Julia Stoschek Foundation obras nas quais todos os sentidos são convocados, propondo uma visão sensorial da arte e um curioso contraponto à Bienal de Berlim. Se no caso anterior havia um desassossego cognitivo, aqui há uma inquietação sensitiva. Há algo de profundamente cinematográfico (ou proto-narrativo) em muitas das obras de After-Image. Uma ambiência gótica e fantasmagórica é conjurada pela maior parte das obras: um corredor cuja iluminação intermitente segue um código morse (Theresa Baumgartner); uma instalação sonora que serve de prelúdio a uma película insidiosa (Laurel Halo); espelhos que refletem paisagens que não vemos em nosso redor, emergindo das sombras do espaço expositivo (Giovanna Repetto); objetos de natureza ritualista ou votiva (Chaveli Sifre); a dança cómica e frenética, mas também vagamente assustadora, de peças insufláveis (Paul Chan); e, finalmente, um encontro do outro mundo, como se uma garra tivesse rasgado a realidade na penumbra de uma antiga sala de cinema (a impressionante instalação multimédia da dupla LABOUR, Farahnaz Hatam e Colin Hacklander, que remete para o zoroastrismo, mas também para as composições de Xenakis). A Neue Nationalgalerie consegue, todavia, juntar o político e o sensorial numa mesma exposição, com a retrospetiva de Lygia Clark – certamente um dos eventos culturais mais relevantes do ano. Clark invoca tudo o que há de fascinante na arte contemporânea brasileira e o seu contributo para a arte universal. Desde a produção dos Bichos – com o seu aspeto lúdico, espacial e arquitetónico, que indaga repetidamente a construção do espaço – à aventura autodidata nos territórios científicos e subjetivos da psicologia, esta é uma retrospetiva que dignifica a obra da artista, mas também o papel das instituições de arte de índole público. A carreira que vai beber inicialmente à cultura contemporânea europeia, com a pintura geométrica e abstrata, depressa é abandonada de forma radical, para se entregar a um experimentalismo conceptual e formal até então pouco visto. A integridade do original é completamente esquecida assim que o espectador começa a brincar com as réplicas de Bichos, construindo e desconstruindo espaços com cada plano articulado e giratório metálico, existindo em plenitude para aquela materialização, sempre entusiasmante e inesgotável, do espaço. Os Objetos Sensoriais coexistem com as performances de Corpo Coletivo – o corpo serve de mediador político através dos sentidos, uma experiência que atinge o seu expoente máximo nos métodos terapêuticos que desenvolve em Estruturação do Self. Há como que um holismo nessa demanda pelo carácter relacional da arte, em que objetos e espectadores comungam da mesma rede espectral de energias vivas. Deste modo, Clark, tal como Hélio Oiticica, trouxe a arte para a vida e a vida para a arte. Largamente documentada, a exposição é uma retrospetiva informada da importância não-hegemónica da arte do século XX ainda por descobrir e historiografar. Clark é filha dessa crioulização vibrante que é o Brasil, cujas culturas e cosmovisões muito têm contribuído para a perspetiva crítica da modernidade, servindo de mediadora inteligente entre dois tempos e dois espaços, duas realidades distintas de pensar a vida, a história e a humanidade: lá, onde os povos indígenas falam com os bichos; cá, onde o cartesianismo se reproduz vertiginosamente, em direção à antropofagia.
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As tílias estão em flor. Ao anoitecer, a humidade carrega o aroma adocicado das árvores. É surpreendente, num primeiro momento; irritante, depois; acabamos, enfim, por nos adaptar.
O Hamburger Bahnhof também tem um cheiro peculiar – verde, denso, vagamente terroso, como se estivéssemos numa estufa com flores e plantas voltadas do avesso, penduradas num arame a secar. Antes de entrarmos na nave principal, os cílios e as narinas denunciam uma instalação que vai para além da visualidade. Embrace, de Klára Hosnedlová, é quase demasiado espetacular. Alguma edição teria sido bem-vinda. Mas a totalidade da exposição estranhamente resulta. Entre a delicadeza da pintura bordada – comumente associada à sua prática –, a escala monumental das esculturas pseudo-jurássicas e o emaranhado industrial de fibras de linho, há um estranhamento do tempo, que parece dilatar-se indefinidamente. A materialidade é simultaneamente densa e leve, agenciando a indústria artesanal e têxtil – a que ainda sobra, numa Europa sem indústria – para a conceção de uma obra multissensorial. A fragrância é a do campo e a da paisagem rural, mas a aspereza do betão convoca imagens urbanas frias, com poças de óleo, líquidos tóxicos e o miasma da vida moderna.
Não muito distante, outro forte aroma a terra húmida, pinho, resina natural, tabaco e cravo inundava a ala onde encontramos parte do acervo de Joseph Beuys. A obra viva de Delcy Morelos estabelecia um coerente e estimulante encontro com o pensamento ecológico e político de Beuys. A riqueza sensorial de Madre serve de contraponto à nudez metálica de Beuys – a limpidez apolínea do conceptualismo dança com o sensorialismo dionisíaco das tradições ancestrais sul-americanas. É um exemplo de boa-vizinhança, em que cada obra se alimenta mutuamente, para expandir os conceitos e as perceções de que vivem.
No extremo oposto da antiga estação de comboios, uma proposta radicalmente diferente envolvia o espectador numa realidade fictícia, daquelas que saltam da realidade virtual dos videojogos para um espaço que se vai progressivamente desmaterializando em reflexos, móbiles e imagem. De facto, muitas das exposições parecem enlevar a prática um tanto quanto germânica da gesamtkunstwerke – uma experiência radical e total da obra de arte enquanto máquina de sentidos e para os sentidos, remetendo o espectador a uma experiência estésica limite. Many Worlds Over, de Ayoung Kim, é outro desses exemplos, ao construir uma narrativa que invoca todo o sistema percetivo e sensorial do visitante para entrar numa simulação ou num realismo especulativo. A artista empresta a sua identidade à ficção: é simultaneamente playable character e non-playable character – fica no limiar da imprecisão, a mesma ideia presente na topologia híbrida, aqui totalmente reconfigurada, do espaço museológico, que, por seu lado, amplia a temporalidade não-linear da estória. O digitalismo das imagens é condizente com o digitalismo da vida – uma infraestrutura tecnológica que anima e faz do quotidiano uma dúvida crescente quanto à sua autenticidade, que se eterniza e se metamorfoseia criativamente, já sem qualquer juízo ou julgamento moral, simplesmente pleno de júbilo.
Como construímos a realidade? Que estratos culturais se sobrepõem às imagens reproduzidas pelo nervo ótico, que migram da televisão para a rua, da rua para o telemóvel, do arquivo para o presente? Nothing is Original, de Julian Rosefeldt, é uma exposição que percorre os meandros da realidade e da imagem. Tudo é imagem, na sua obra. Mas a imagem tem uma estrutura edificada para o seu artifício. Pode a imagem matar, como perguntou outrora Marie-José Mondzain? Rosefeldt não responde a esta pergunta, mas a sua investigação interroga do mesmo modo a ontologia, a hermenêutica e as políticas da imagem. É, todavia, uma investigação que se faz a partir do humor – o excerto de Manifesto em que Cate Blanchett interpreta o texto Golden Rules of Filmmaking, de Jim Jarmusch, é lacónico e sintetiza os jogos compositivos e de vários canais do artista: “Nothing is original. Steal from anywhere that resonates with inspiration or fuels your imagination.” E remata com Jean-Luc Godard, para que todas as crianças aprendam: “It’s not where you take things from - it’s where you take them to.” A pantomina dos westerns americanos, a coreografia e tensão dos filmes de ação, as nuvens da montanha de Caspar David Friedrich são encenadas para estabelecerem um diálogo larval a respeito da ideologia das imagens e de modo estas alimentam e constroem ideologias. Nothing is Original, no C/O Berlim não é uma retrospetiva exaustiva do trabalho de Rosefeldt, mas é um indispensável olhar sobre a sua trajetória e a investigação inerente à sua prática, sobretudo a arquitetura. *
Não há automóveis. No país dos motores e da deslocação privada, não há carros. Tudo flui a despeito de uma economia estagnada, que em breve irá abraçar a indústria militar para entrar novamente em crescimento.
A informação entra na diagonal, é acelerada e vertida em forma de ficções mal-amanhadas. A vida não é séria, a política também não.
Em Kreuzberg não há Coca-Cola, há Fritz-Cola. Não é melhor nem pior: é uma bebida que se bebe com agrado, no calor inusual berlinense.
Há parques e estão cheios. Há pontes e estão cheias – pessoas sentadas nas guardas, encostadas a ver o Spree, sentadas no tabuleiro, nas margens das faixas de rodagem, a verem o pôr-do-sol às dez da noite.
Uma nota solta no ar, em jeito de Fá-Dó, C maior ou menor: um estudo para piano vibrado para fora da Berliner Philharmoniker. Phillip Glass já morreu?
Já.
Não.
Não sei.
É difícil acompanhar a morte dos outros.