Citando Maria Gabriela Llansol, o curador articula a Bienal em torno do conceito de ‘fulgor’, propondo a criação de uma liberdade sustentada nos afetos, na sua capacidade de propor e de constantemente reiterar novas experiências e enquadramentos sensíveis. Partindo desta premissa, a exposição consolida uma apresentação coletiva e múltipla que pretende, mais do que apresentar uma seleção pré-determinada, utilizar um recorte do panorama artístico para dinamizar uma “partilha do sensível”1 que se traduz não só nas visitas e encontros com os objetos, mas também nas ativações subsequentes que pretendem continuamente promover uma aproximação entre espetador, artista e objeto e processo artístico. Deste modo, a coleção de obras aqui apresentadas multiplica-se na sua variedade, apresentando um diálogo constante entre a produção contemporânea e algumas obras menos recentes, cujo objetivo é o de multiplicar, ramificar e dar a ver o radicalmente diferente. A ideia de Llansol que ocupa o centro da exposição parece reverberar as ideias de Deleuze e Guattari perante a arte: “É de toda a Arte que seria preciso dizer: o artista é mostrador de afectos, inventor de afectos, criador de afectos, em relação com os perceptos ou visões que nos dá.”2 É sobre esta premissa - a vontade de continuamente multiplicar os afetos, explicitamente politizados - que a Bienal parece lutar por construir um espaço de liberdade, onde a criação artística reflete precisamente essa capacidade.
Se a mostra se desdobra numa enorme variedade de artistas e práticas, um nome é sugerido pelo curador enquanto central: o de Eduardo Batarda. Ocupando parte considerável da exposição, a série recente Misquoteros: A Selection of T-Shirt Fronts protagoniza esta relação com um claro humor imediatamente presente no jogo de palavras que a intitula. Nesta série de pinturas, a produção de sentido parece, ao mesmo tempo, amplificada pelo uso do texto e problematizada pela sua incoerência. O contacto com o estranho, o ambíguo - o texto que parece tocar no non-sense - centraliza a experiência que o projeto curatorial procura expandir a todos os objetos que ocupam o Fórum da Maia. É deste modo que, canalizando a mesma energia, a restante exposição articula obras que remetem ao sonho, à ilusão, à criação inocente, ao contacto com epistemologias alternativas, onde a divisão entre alta e baixa cultura se desvanece num espaço que pretende ser horizontal.
Neste trajeto, encontramos trabalhos como os de André Romão, remetente a uma projeção onírica do estado do sonho; de Francisco Trêpa, que aponta para a construção de entidades e imaginários desprovidos das contingências da experiência; de Jiôn Kiim, que apresenta pinturas abstratas, mas expressivas de uma forte relação espiritual; e de Pedro Huet ou Pedro Moreira, cujo levantamento da cultura pop alicerça a capacidade de pensar o fantasioso. O espaço natural ocupa também um enorme protagonismo, remetendo para um questionamento sobre a centralidade da experiência humana. Encontramos, nos trabalhos de Mariana Vilanova, Rita Castanheira e de Bartolomeu Gusmão, uma oportunidade de repensar o meio artístico como ferramenta de representação que pode recentralizar-se em novos contextos tecnológicos e sociais.
Estamos perante uma Bienal que, através do fulgor, almeja a liberdade perante o caos, e a liberdade perante o sensível que necessariamente reitera o diferente. Então, lembramos: “A Arte luta com o Caos, mas para torná-lo sensível.”3
A Bienal de Arte Contemporânea da Maia pode ser visitada até dia 14 de setembro.
1 Rancière, J. A Partilha do Sensível.
2 Deleuze, G. & Guattari, F. O que é a Filosofia?, p. 207
3 Deleuze, G. & Guattari, F. O que é a Filosofia?, p. 241